Dá para ser o Melhor Defensor da NBA sem ser um exímio protetor de aro? Tradicionalmente, a resposta para essa pergunta é um sonoro “não”. Nos últimos 33 anos, apenas três vencedores do prêmio de Melhor Defensor da Temporada (DPOY) terminaram o ano com menos de um toco por jogo.
Dyson Daniels is one of one when it comes to disrupting plays
— Steph Noh (@stephnoh.bsky.social) 2 de março de 2025 às 19:25
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Dyson Daniels quer quebrar essa lógica. Ele acredita que defesa vai muito além de bloqueios. Com média de apenas 0,7 tocos por partida, ele está longe de ser referência nesse quesito — especialmente para quem sonha com o prêmio. Mas sua campanha é construída em outra base: os roubos de bola. Daniels é o primeiro jogador desde Nate McMillan, em 1994, a manter uma média de três roubos por jogo.
Mais do que isso, Daniels é uma verdadeira máquina de desviar passes. Ele lidera a NBA em deflections (desvios de bola), com folga, em um número quase cômico.
Apesar de todo esse talento para o "roubo", Daniels aparece apenas como um distante terceiro nas casas de apostas. À frente dele estão Draymond Green, o favorito, e Evan Mobley. Green, inclusive, já venceu o prêmio em 2017 e sabe bem o quão difícil é para alas e armadores ganharem esse reconhecimento.
“É um prêmio difícil de vencer. Muitas vezes, tudo gira em torno dos tocos”, disse Green a jornalistas recentemente. “Mas [Daniels] tem os roubos. É assim que é. Mas tomara que ele não vença esse ano”, brincou.
Mesmo que não conquiste o troféu oficial da NBA, Daniels já pode comemorar: foi escolhido pelo Sporting News como o Melhor Defensor da Temporada. A campanha do jovem australiano levanta uma reflexão importante: não está na hora de revermos a forma como enxergamos a defesa na NBA?
Os roubos de bola são (muito) subvalorizados
Se os roubos tivessem o valor que realmente merecem, Daniels seria tratado como o melhor defensor da temporada. Ele está acumulando essas jogadas num ritmo que a NBA não vê há décadas. A vantagem que ele abriu em relação ao segundo colocado é quase de três dígitos — algo que não acontece desde os 301 roubos de Alvin Robertson, há 39 anos.
Infelizmente para Daniels, boa parte dos jornalistas que votam nos prêmios da liga não enxerga o verdadeiro impacto dos roubos de bola.
Lá em 2014, o jornalista Benjamin Morris, do FiveThirtyEight, publicou um estudo que virou referência: ele sugeriu que os roubos de bola estavam sendo massivamente subestimados na hora de avaliar o impacto de um jogador nas vitórias.
Morris criou um modelo estatístico para medir quanto um time sentia a falta de um jogador, baseado nos dados do box score. A conclusão? Um roubo poderia valer até nove pontos em impacto real. Em outras palavras: um jogador que marca 13 pontos e rouba 2 bolas por jogo tem o mesmo impacto que outro que faz 22 pontos e rouba apenas uma.
Desde então, vários analistas de dados da NBA passaram a ver os roubos com outros olhos — talvez não com a mesma intensidade que Morris, mas na mesma linha. Kostya Medvedovsky, criador da métrica DARKO, falou ao Sporting News sobre o tema.
“Há um debate longo sobre o valor dos roubos na NBA. Matematicamente, um roubo não pode valer tanto assim — é uma parada e um contra-ataque, então o teto é algo entre 2,5 a 3 pontos”, explica.
“Por outro lado, temos a famosa análise do FiveThirtyEight. Eu tendo a concordar com essa linha. É uma das primeiras coisas que olho quando avalio um defensor. É raro encontrar alguém com bom impacto defensivo nos números on/off sem uma boa taxa de roubos.”
Segundo ele, as taxas altas de roubos são um bom indicativo de inteligência defensiva e de um valor “intimidador” que não aparece no box score — o receio que os armadores e passadores têm ao enfrentar um defensor do tipo de Daniels.
“A gente ainda não tem como medir esse efeito com estatísticas simples. Então deixar o roubo ‘carregar’ esse valor me parece justo”, completa Medvedovsky.
Outro que pensa parecido é Kevin Pelton, analista da ESPN e referência em estatísticas avançadas. Em participação no podcast de Zach Lowe, ele também defendeu uma reavaliação urgente sobre o impacto dos roubos de bola.
“Eles acabaram subvalorizados, simplesmente porque encerram a posse do adversário sem arremesso, sem falta e sem chance de rebote ofensivo. E ainda iniciam uma transição ofensiva com enorme vantagem”, disse Pelton.
“A gente ainda tem muito o que caminhar até dar aos roubos o valor real que eles têm.”
Krishna Narsu, criador da métrica LEBRON, também concorda:
“Talvez não valham nove pontos, mas sim, estão subestimados. Acho que já é consenso entre os analistas que os roubos são fundamentais para medir impacto defensivo.”
E não são só os números que apoiam essa tese. O técnico do Atlanta Hawks, Quin Snyder, é outro que enxerga como os roubos mudam o jogo.
“O [Daniels] rouba a bola e transforma isso numa bandeja do outro lado. Acho que a gente perde essa correlação com frequência”, disse Snyder ao Atlanta Journal-Constitution.
“Nem sempre isso acontece com um toco. Não que o toco não seja importante, mas o que o Dyson faz é gerar defesa e ataque ao mesmo tempo.”
Se Dyson Daniels vai ou não conquistar o DPOY da NBA, só saberemos em breve. Mas uma coisa é certa: sua temporada está forçando uma conversa que o basquete profissional precisa ter há muito tempo — a defesa começa (e muitas vezes termina) nas mãos ligeiras de quem sabe ler o jogo.
DYSON DANIELS STEAL, CARIS LEVERT GAME WINNER 🤯
— NBA TV (@NBATV) March 4, 2025
WOW. pic.twitter.com/HRjN5gO1V6
A ideia de que os roubos de bola têm valor duplo — porque 1) matam uma posse e 2) criam ataque de alto valor na transição — é bastante intuitiva. Ainda assim, temos sido incrivelmente lentos para nos atualizarmos com essa lógica básica. Talvez os roubos sejam a nova bola de três: algo escancarado diante dos nossos olhos, mas que levou décadas para ser valorizado como merece. O caso de Daniels pelo prêmio de Defensor do Ano pode acabar parecendo ainda mais
MORE: Dyson Daniels em clube seleto: o primeiro jogador desde Scottie Pippen a atingir determinadas marcas de tocos e roubos de bola na mesma temporada

Dyson Daniels não arrisca à toa
Uma das razões pelas quais roubos são tratados com cautela é a ideia de que muitos vêm de "apostas" irresponsáveis, que tiram o defensor da jogada. Draymond Green falou sobre isso em seu podcast:
“Muitos caras que roubam bola não são bons defensores. Eles vendem tudo numa jogada e deixam a defesa exposta.”
Mas Green fez uma distinção importante:
“Não acho que o Dyson Daniels seja esse tipo de defensor. Acho que ele é um excelente defensor — e roubar bola é uma arte.”
Snyder também elogiou a leitura de jogo de Daniels:
“Normalmente, quando alguém rouba muito, é porque está apostando. Ele raramente se tira da jogada. Às vezes não rouba a bola, mas está sempre bem posicionado.”
E a análise de vídeo comprova: Daniels não dá botes aleatórios. Ele antecipa jogadas, ataca quando os adversários relaxam ou estão de costas. Seus reflexos são elite. Não à toa, seus 433 desarmes são mais de 100 a mais que o segundo colocado — um recorde desde que esse dado começou a ser monitorado.
O defensor que pega as piores missões
Não existe ninguém na NBA como Daniels. Ele marca os melhores jogadores adversários todos os jogos, sem abrir mão de ser um dos melhores defensores de cobertura da liga. A dificuldade média dos matchups dele está entre as mais altas da NBA, segundo o BBall Index.

The BBall Index
Quin Snyder sabe disso melhor do que ninguém:
“Ele sempre pega o matchup mais difícil. E se você olhar o aproveitamento dos jogadores que ele marcou, está tudo dentro da média. Isso mostra como ele é sólido individualmente e ainda assim consegue gerar jogadas.”
Os números comprovam. Daniels marcou as estrelas adversárias e, na maioria das vezes, limitou-as abaixo da média. E seu desempenho em situações de 1 contra 1 é elite: entre os 117 jogadores que defenderam pelo menos 50 isolations, Daniels é o 4º da liga. Adversários têm apenas 36,8% de aproveitamento contra ele.
Dyson Daniels is holding his own against the toughest matchups every game while simultaneously playing incredible help defense. Here's what the matchup data says about how he's guarded all of the 2025 All-Stars (min. 50 possessions) data via @databallr
— Steph Noh (@stephnoh.bsky.social) April 2, 2025 at 2:12 PM
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O pilar defensivo de um elenco limitado
Muitos descartam Daniels por jogar em um time que não é top 10 em defesa. Mas esses mesmos votantes tinham Victor Wembanyama como favorito absoluto — mesmo com os Spurs fora do top 15 defensivo antes de sua lesão.
O Hawks de hoje, 21º em defesa, era o 27º no ano passado — e está entre os 10 piores desde a chegada de Trae Young. Daniels chegou este ano e, mesmo substituindo um bom defensor (Dejounte Murray), elevou o time em seis posições no ranking.
Líderes em Roubos na NBA 2024-25
Jogador | Time | Roubos |
---|---|---|
Dyson Daniels | Hawks | 233 |
Shai Gilgeous-Alexander | Thunder | 131 |
Kris Dunn | Clippers | 122 |
Cason Wallace | Thunder | 120 |
Keon Ellis / Nikola Jokic | Kings / Nuggets | 119 |
Líderes em Desarmes na NBA 2024-25
Jogador | Time | Desarmes |
---|---|---|
Dyson Daniels | Hawks | 433 |
Keon Ellis | Kings | 263 |
Kelly Oubre Jr. | Sixers | 248 |
Nikola Jokic | Nuggets | 247 |
Cason Wallace | Thunder | 244 |
Daniels faz tudo, mesmo sem um pivô protetor de elite por trás. Clint Capela, outrora esse cara, perdeu espaço. Onyeka Okongwu (2,03m) é o atual titular. Os reservas são o projeto Dominick Barlow e Larry Nance Jr., um “cinco” improvisado.
Sem um “âncora”, Daniels virou o escudo de Trae Young. Ele contorna bloqueios, dobra marcação, troca, faz scram (movimento tático para tirar um defensor frágil de um mismatch). É o trabalho invisível que salva a defesa de Atlanta — algo que Snyder reconhece:
“Tive um DPOY em Utah (Rudy Gobert) que fazia isso. Protegia muita gente. O Daniels também faz isso, mas de outro jeito.”
Esse impacto não aparece nos números on/off — o time, em média, tem defesa levemente melhor sem ele em quadra. Mas isso muda quando ajustamos para a “sorte” de arremessos dos adversários. Snyder também alterna entre quintetos ofensivos com Daniels e defensivos sem ele, o que distorce os dados. Quantos votantes vão levar isso em consideração?
O defensor do presente (e do futuro)
Daniels não tem a envergadura de 2,36m de Rudy Gobert. Não tem um podcast como Draymond Green. Tem só o melhor apelido da NBA — “O Grande Ladrão da Barreira” (The Great Barrier Thief) — e um lugar escondido nos jogos fora do radar de quem não assina League Pass.
Mas quem assiste aos Hawks ou mergulha nas estatísticas sabe: Daniels impressiona tanto com jogadas decisivas (como os três roubos da vitória em 19/11, 03/02 e 03/03) quanto nos modelos avançados como LEBRON e Estimated Plus-Minus.
Um dia, a temporada de Daniels será reconhecida pelo que foi — uma das maiores “carregadas defensivas” já vistas. Talvez a NBA ainda não esteja pronta. Mas o Sporting News está.
Defesa vai além de tocos. Vai além de roubos. Daniels tem as jogadas chamativas, mas também apaga incêndios que ninguém vê. Ele é uma nova versão de defensor — e merece ser reconhecido como tal.